“A rigor, não há representantes oficiais do Espiritismo em setor algum da política humana” Conduta Espírita
Parece-nos importante já iniciar este texto por suas conclusões:
– A doutrina espírita é uma doutrina de consequências morais e não tem relação com qualquer ideologia política ou econômica
– O Espiritismo não tem candidato nem representante nos órgãos políticos, ainda que a pessoa professe o Espiritismo
– A casa espírita não oferece seu espaço para palanque eleitoral
Na obra Conduta Espírita, psicografada pelo médium Waldo Vieira, capítulo 10, Nos embates políticos, o espírito André Luiz colaciona uma série de orientações a serem observadas pelos espíritas no campo da política, de tamanha importância e singeleza que entendemos por bem transcrever ao final.
Devemos refletir sobre a postura do cristão diante de todos os fenômenos sociais que, ante a lei do progresso, transformam o planeta, como certamente é o caso dos sistemas democráticos, haja vista respeitarem o livre arbítrio e permitirem que a vontade de todos seja considerada, ainda que, por óbvio, estejamos distantes da situação ideal.
Para isso, é importante apreciar o depoimento de Judas, colhido pelo espírito Humberto de Campos, na obra Crônicas de Além-Túmulo, psicografada por Chico Xavier. Diz o apóstolo há muito redimido:
“Acima dos corações, eu via a política, única arma com a qual poderia triunfar e Jesus não obteria nenhuma vitória. Com as suas teorias nunca poderia conquistar as rédeas do poder já que, no seu manto de pobre, se sentia possuído de um santo horror à propriedade. Planejei então uma revolta surda como se projeta hoje em dia na Terra a queda de um chefe de estado. O Mestre passaria a um plano secundário e eu arranjaria colaboradores para uma obra vasta e enérgica … Entregando, pois, o Mestre, a Caifás, não julguei que as coisas atingissem um fim tão lamentável …”
Vemos no depoimento que Judas não agiu com maldade intencional ou por efetiva traição a Jesus, tanto assim que se arrependeu e, cometendo outro equívoco, suicidou-se. Judas tão somente enxergou na política do mundo a salvação, e aquele Mestre amoroso não seria a figura ideal para o passo seguinte, de assunção de algum trono, apoiado por exércitos para defesa e vitória do povo.
A verdade é que ainda pensamos como Judas[1], pois a cada ciclo eleitoral aguardamos um salvador da pátria, que com sua energia redimirá a todos. Se nosso candidato perde, prevemos a hecatombe. Mas se ganha, projetamos tempos de leite e mel.
Mas afinal, qual seria a atitude do cristão nesse cenário? Afastamento? Indiferença? Crítica? A resposta está, obviamente, em Jesus.
O doce Nazareno veio pregar uma grande revolução, revolução esta sem comparação com qualquer uma que se tenha visto. A mudança apregoada pelo Cristo é interior e de cada um, pois de ingredientes estragados não se pode fazer um prato saudável.
Fosse o poder do mundo, Jesus não seria humilde carpinteiro na inexpressiva cidade de Nazaré, nem teria se acercado de pescadores. Sendo Jesus o governador de nosso planeta, naturalmente poderia optar pelo berço que desejasse, e escolheu a humilde manjedoura dos animais.
O Mestre, que não teve onde recostar a cabeça, não nasceu rei nem em família proeminente. Em sua jornada, acolheu a todos, jamais optando por uma ou outra vertente. Esteve com sacerdotes e fariseus, do mesmo modo que atendeu aos miseráveis e doentes.
Ensinando que seu reino não é deste mundo, conclamou todos os corações à transformação.
Ele, o Salvador, se disse não a salvação, mas o caminho, caminho que ele mesmo percorreu no planeta, ensinando que a transformação interior é possível e, como prova maior disso, cercou-se de apóstolos imperfeitos que, após tantas dúvidas e equívocos, se transformaram em sublimes mensageiros da Boa Nova.
Em célebre passagem, quando questionado sobre os tributos romanos, disse a césar o que é de césar, mostrando que as questões do mundo devem ser tratadas no mundo, mas que não se pode esquecer do verdadeiro tributo de amor, caridade e perdão, a ser acertado perante o Pai.
Tal lição não significa que Jesus era indiferente aos problemas do mundo, mas apenas mostrou que havia questões mais prementes, e que os problemas do mundo são criados pela forma materialista viver, só tendo cura na transformação do espírito, um a um.
Qual poder terá sido, ao longo da história, maior que o dos césares? E ainda assim, disse Jesus ao senador romano Públio Lentulus: “Todos os poderes do teu império são bem fracos e todas as suas riquezas bem miseráveis”.[2] Sendo cristãos, como ainda podemos nos iludir com os poderes do mundo?
Antes de Jesus, o inolvidável precursor, João Batista, lecionava de modo similar:
E chegaram também uns publicanos, para serem batizados, e disseram-lhe: Mestre, que devemos fazer?
E ele lhes disse: Não peçais mais do que o que vos está ordenado.
E uns soldados o interrogaram também, dizendo: E nós que faremos?
E ele lhes disse: A ninguém trateis mal nem defraudeis, e contentai-vos com o vosso soldo.[3]
A mensagem de João Batista certamente não era de comodismo, nem de resignação estéril, mas a de que a vida é algo muito maior, e que devemos buscar, de modo ordeiro e justo, a transformação do planeta, começando por nós, como consta de frase hoje bastante difundida: seja você a mudança que quer ver no mundo.[4]
Mas se a mudança é interior, então qual o papel das instituições e, especialmente, da política e da política partidária do mundo?
Como sempre, é Jesus nosso guia e modelo.
O Cristo jamais se afastou do mundo, tornando até difícil a compreensão de fenômenos como o claustro na cristandade.
O cristão deve participar da vida social e, em se tratando de política, é natural que eventualmente adote alguma vertente de pensamento, votando e candidatando-se a cargos eletivos, se se entender preparado para tanto. Contudo, parafraseando o grande Machado de Assis, será um espírita candidato (alguém que professa o Espiritismo e se candidata), e não um candidato espírita (representante do Espiritismo na política). Como nos ensina André Luiz em Conduta Espírita:
“A rigor, não há representantes oficiais do Espiritismo em setor algum da política humana”
Mas se é saudável a participação na vida política, não se pode esquecer dos necessários equilíbrio e ponderação, conforme outro escólio constante da mesma obra:
“Distanciar-se do partidarismo extremado. Paixão em campo, sombra em torno”
Do mesmo modo que o espírita pode participar da vida político-partidária, as instituições espíritas, sejam as casas ou as federações, podem e devem manter relação com os poderes constituídos, mas jamais no sentido de aderirem a este ou aquele órgão ou partido, perdendo a independência e mesmo o caráter religioso.
Tal relação se dá justamente porque, no mundo de césar, devemos buscar a césar se necessário, como fez Paulo de Tarso em seu julgamento.
Lembremos que o Espiritismo já foi crime, conforme Código Penal de 1890, e novamente proibido nos anos 1940. Para solucionar tais questões, foi necessário relacionar-se lícita e moralmente com os poderes constituídos, em nome da liberdade de crença.
Também não se olvida que, em seu trabalho de promoção social, a casa espírita deve buscar complementariedade com os órgãos públicos. Por exemplo, se uma prefeitura oferece serviço odontológico eficiente, a casa espírita pode encaminhar seus assistidos ao local devido, buscando outro foco de trabalho mais carente, ao invés de despender esforços criando um consultório próprio.
Há também matérias, como o aborto, que pedem ação perante as autoridades do mundo, buscando a preservação da vida e outros bens superiores.
Mas tais ações não levam em consideração a ideologia A ou B, ou o partido C ou D, sendo necessárias diante daquele que, momentaneamente, ocupa o foco de poder.
A doutrina espírita ainda nos ensina sobre a importância dos bons pensamentos e efeitos nefastos das ideações inferiores, por isso a recomendação de orar pelos governantes:
“Por nenhum pretexto, condenar aqueles que se acham investidos com responsabilidades administrativas de interesse público, mas sim orar em favor deles, a fim de que se desincumbam satisfatoriamente dos compromissos assumidos.
Para que o bem se faça, é preciso que o auxílio da prece se contraponha ao látego da crítica.”
Ao fechar o tema da participação política do espírita, André Luiz, evocando o Mestre Nazareno, nos lembra de que jamais podemos perder de vista que todas as coisas do mundo são transitórias, e que devemos fazer uma escolha, muito mais profunda que a das urnas, em nosso âmago:
“Nenhum servo pode servir a dois senhores.”
(Lucas, capítulo 16, versículo 13.)
TRANSCRIÇÃO DE CAPÍTULO DA OBRA “CONDUTA ESPÍRITA”, médium Waldo Vieira, espírito André Luiz.
Capítulo 10
Nos Embates Políticos
Situar em posição clara e definida as aspirações sociais e os ideais espíritas cristãos, sem confundir os interesses de césar com os deveres para com o Senhor.
Só o espírito possui eternidade.
*
Distanciar-se do partidarismo extremado.
Paixão em campo, sombra em torno.
*
Em nenhuma oportunidade, transformar a tribuna espírita em palanque de propaganda política, nem mesmo com sutilezas comovedoras em nome da caridade.
O despistamento favorece a dominação do mal.
*
Cumprir os deveres de cidadão e eleitor, escolhendo os candidatos aos postos eletivos, segundo os ditames da própria consciência, sem, contudo, enlear-se nas malhas do fanatismo de grei.
O discernimento é caminho para o acerto.
*
Repelir acordos políticos que, com o empenho da consciência individual, pretextem defender os princípios doutrinários ou aliciar prestígio social para a doutrina, em troca de votos ou solidariedade a partidos e candidatos.
O Espiritismo não pactua com interesses puramente terrenos.
*
Não comerciar com o voto dos companheiros de ideal, sobre quem a sua palavra ou cooperação possam exercer alguma influência.
A fé nunca será produto para mercado humano.
*
Por nenhum pretexto, condenar aqueles que se acham investidos com responsabilidades administrativas de interesse público, mas sim orar em favor deles, a fim de que se desincumbam satisfatoriamente dos compromissos assumidos.
Para que o bem se faça, é preciso que o auxílio da prece se contraponha ao látego da crítica.
*
Impedir palestras e discussões de ordem política nas sedes das instituições doutrinárias, não olvidando que o serviço de evangelização é tarefa essencial.
A rigor, não há representantes oficiais do Espiritismo em setor algum da política humana.
*
“Nenhum servo pode servir a dois senhores.”
Jesus. (Lucas, capítulo 16, versículo 13.)
Assista ao vídeo O Espírita e a Política em nosso canal no Youtube:
[fts_youtube video_id_or_link=SwiG_hwbfZo]
[1] Ouvi a comparação com a situação de Judas em uma palestra, mas não localizei, de modo que deixo de citar a fonte.
[2] Romance “Há 2000 anos”, psicografado por Chico Xavier, da obra do espírito Emmanuel, que relata encontro com o Mestre, na encarnação na qual foi o referido senador.
[4] A frase é comumente atribuída a Mahatma Gandhi, mas sua autoria não é comprovada. De todo modo, o inolvidável sábio indiano bem representou a máxima.