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Nossas amigas Renee San Martin, boliviana, e Andréa Watson, brasileira, contam suas experiências no movimento espírita na cidade de Cochabamba, na Bolívia.

Doação de brinquedos

 

M. Renee San Martín G.

 

O bom é que, apesar das dificuldades, seguimos firmes no trabalho.

 

No ano de 1992, foi aberta a primeira casa espírita na cidade de Cochabamba, na Bolívia. A iniciativa nasceu de uma mensagem recebida da espiritualidade superior a um dos integrantes de um centro espírita em Uberlândia/MG. A comunicação se converteu em um desafio, já que teriam que viajar a um país que não conheciam e a uma cidade completamente diferente, inclusive culturalmente. Assim, a abertura de um centro em que se transmitiria o estudo de uma ciência reveladora e inovadora, em um país de cultura conservadora e, à época, repleto de preconceitos em relação ao que era a comunicação espiritual, se mostrava, sem dúvida alguma, um desafio realmente grande

A despeito desse receio diante do desconhecido, naquele mesmo ano, nasciam as atividades espíritas tal qual orientado pela espiritualidade. De início, era ministrada uma palestra pública por semana, além de disponibilizar a venda de livros espíritas na porta do centro que dava para a rua. Desse modo, começou o trabalho que levaria novos rumos a todas as pessoas que chegassem ao Centro de Estudios Amalia Domingo Soler, como foi denominado pela entidade que havia se comunicado, mais conhecido pela sigla CEADS. No ano de 1994, foi feito o registro legal da pessoa jurídica, ficando legalmente constituído o centro em território boliviano.

O trabalho foi árduo e desafiador, pois as peculiaridades dos habitantes, arraigados no catolicismo e protestantismo, era tenaz. Fomos criticados e insultados, não faltando-nos, inclusive, ameaças. Ninguém conhecia o Espiritismo nessa época, sendo muito confundido com religiões de matriz africana, bruxaria e outras vertentes (felizmente, agora, esses ataques e preconceitos tenham sido reduzidos). Apesar de todas essas dificuldades, o trabalho seguiu com mais força, confiante do acompanhamento da espiritualidade superior.

Pouco a pouco, o Espiritismo foi abrindo passo ante a tais circunstâncias, cada vez chegando mais pessoas ávidas por consolo, mas com reduzido interesse pelo estudo. Seguiu-se o auxílio aos necessitados a partir da criação da área de assistência social, com o auxílio da qual se passou a oferecer sopa gratuita a quem desejasse, atividade realizada todos os domingos. O trabalho era considerado muito benéfico, mas, às vezes, muito duro, já que implicava grande esforço tanto para comprar os alimentos a serem utilizados na sopa, quanto para prepará-los, afinal, o centro contava somente com cinco pessoas para todo este trabalho.

Ainda assim, o CEADS foi criando mais força. Anos depois, chegaram mais trabalhadores e, com eles, as dificuldades econômicas. Além do aluguel do espaço onde o Centro funcionava e das contas básicas, os valores arrecadados eram destinados à aquisição de literatura que serviria para o estudo básico do Espiritismo. Mas não era só a escassez financeira a causa impeditiva para viabilizar a compra desse tipo de material. Especialmente no caso das obras complementares, como os livros de Emmanuel e André Luiz, havia dificuldade em virtude da língua nos quais os livros foram escritos: todos estavam em português.

A dificuldade do idioma motivou muitos integrantes nativos a se interessarem pela língua portuguesa, tanto que muitos deles começaram a estudar o Espiritismo nessa língua, o que contribuiu para que o estudo fosse mais efetivo.

Tal fato motivou os frequentadores a confiarem no tipo de trabalho social e espiritual que se vinha realizando até aquele momento, gerando, desta mesma maneira, no centro, mais atividades, como palestras, reuniões mediúnicas, a distribuição semanal da sopa solidária e o acolhimento fraterno diário. Essas eram as atividades mais frequentadas tanto por trabalhadores como por pessoas de fora.

Com o tempo e em consequência das capacitações, encontros e conferências, bem como da presença de Divaldo Franco em nosso país, foi possível aprofundar os estudos. Dessa maneira, implementou-se o estudo do ESME, que, em comparação ao ESDE, foi sustentado por mais tempo. Era muito complicado realizar os estudos quando se está diante de uma maioria de pessoas que não gosta de ler, tampouco de estudar uma ciência.

Mas, apesar das dificuldades, o CEADS chegou a pertencer à Federacion Espírita Boliviana (FEBOL), por conseguinte, os trabalhadores da nossa casa tiveram acesso a muito mais conhecimento, sobretudo por estarem unidos aos demais países em virtude da participação em encontros, capacitações e outros trabalhos.

No ano de 2003, foi criado o Grupo de Estudios Allan Kardec, a partir do qual foram realizadas palestras públicas e o estudo sistematizado do Evangelho, além das atividades de assistência social, como a distribuição de café da manhã aos domingos. O GEAK encerrou suas atividades em 2010 por questões administrativas, reabrindo no final do ano de 2018. Até o momento, funciona somente com o estudo sistematizado do Evangelho. A assistência social se faz de maneira particular, em face das restrições impostas pela pandemia.

Sem prejuízo do trabalho com adultos, ambas as casas ainda não abriram para o público infantil, por restrições sanitárias. A parte negativa é que nossas atividades ficaram paralisadas, o que incomoda muitas pessoas que não sabem lidar com a tecnologia necessária para assistir às palestras programadas. A parte positiva é que, apesar das dificuldades, seguimos firmes no trabalho.

Os eventos que mais conectam os bolivianos com outras experiências espíritas são os congressos organizados pela FEBOL, dos quais participam personalidades como Divaldo Franco, Alberto Almeida, Charles Kemp, Elsa Rossi e outras pessoas que visitam nosso país.

Até o momento, as redes sociais ajudaram na divulgação do espiritismo, mas não abrimos páginas que possam sustentar o trabalho contínuo, como já se explicou, assim como não contamos com artistas espíritas, portanto, não dispomos de arte espírita. A despeito disso, cremos que, com o avanço e amadurecimento de nossos seguidores, em algum momento teremos isso.

 

Andréa Watson

Como brasileira, espero, de coração, que as lacunas sejam supridas, de forma que o Espiritismo se espalhe e conquiste mais corações.

 

Desde que cheguei a Cochabamba, tive o prazer de conhecer o Centro Espírita Amália Domingues Soler, fundado há mais de 20 anos por obra e iniciativa de um brasileiro de Uberlândia, Sandoval Macedo. O centro funciona no centro da cidade e conta com uma sala pequena para as palestras e outras duas menores para os encontros mediúnicos e um local de recepção e livraria, além de uma pequena copa. Ao todo, é composto por cerca de 100 m2. O espaço foi gentilmente cedido por uma cochabambina, hoje com mais de 90 anos, Dona Albina, que tornou possível a existência do Centro. Passei a participar das duas palestras semanais (uma sobre o Livro dos Espíritos e a outra sobre o Evangelho Segundo o Espiritismo) e de uma reunião de estudos sobre mediunidade.

Devo dizer que, dadas as condições precárias da Bolívia, em termos de educação, instabilidade política, pobreza e alto desemprego, surpreendeu-me o grupo seleto de bolivianos, formado de aproximadamente 15 pessoas, assíduo às duas reuniões. Seguramente se beneficiava dos bons fluidos e desfrutavam do ensino espírita, razão de sempre estar presente nas reuniões.

No entanto, pensei com meus botões: por que, após tantos anos, não haveria um número maior de bolivianos espíritas em Cochabamba? Afinal, a doutrina, para muitos, cativa e atrai de forma quase magnética. De mais a mais, as seitas evangélicas crescem bastante no país, sem falar na Igreja Católica que exerce ainda grande influência na política e nos costumes locais, congregando a pobres e ricos aos domingos e outros dias da semana. Ao me debruçar sobre as razões para tal, dei-me conta de que o boliviano não tem a tradição da leitura. Povo diligente e trabalhador, os bolivianos sofrem, porém, com uma educação precária e deficiente, por conseguinte, não adquiriu, ao longo da vida, o hábito da leitura e do estudo. O tempo livre é dedicado à TV, reuniões domésticas, bares e restaurantes.

Neste centro, tampouco está estabelecido o Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita — ESDE, ferramenta basilar a todo iniciante da doutrina. Os poucos livros existentes nas estantes são amplamente folheados, mas pouco lidos. Esta lacuna, sem sombra de dúvida, contribui para a parca compreensão da doutrina e do legado de Kardec.

Por outro lado, grande fascínio exercem os encontros mediúnicos, que reúnem, muitas vezes, número maior de participantes, alguns dos quais nunca assistem às palestras. Logo de entrada, os bolivianos que se dizem médiuns demonstram interesse em participar das reuniões mediúnicas, sem sequer ter lido o Livro dos espíritos. O mesmo atrativo tem os congressos e grandes eventos espíritas. A visita de Divaldo Franco a Cochabamba, em janeiro de 2020, reuniu, em sua conferência, mais de 600 ouvintes. Todos queriam seu autógrafo, razão pela qual todo o estoque de livros trazido de Santa Cruz se esgotou. Oxalá que leiam!

Outro lado negativo. Não há a prática da caridade. No passado, sim, se distribuía a sopa aos domingos, costume que foi abandonado em virtude de desavenças entre alguns espíritas. Desde então, ninguém mais sai às ruas para ajudar os mais carentes. O Centro Alan Kardec, que conta hoje com 4 integrantes, promove algumas atividades, embora de forma irregular.

Enfim, a estrada é longa a percorrer em Cochabamba. Como brasileira, espero, de coração, que as lacunas acima elencadas sejam supridas, de forma que o espiritismo se espalhe e conquiste mais corações. Isso acontecerá cedo ou tarde, afinal, todos nós marchamos para a luz.

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